As filhas do fogo (1978) - Walter Hugo Khouri | O folk horror brasileiro!

Sinopse: 

Em uma ilha remota, um escritor solitário obcecado pela ideia da mulher perfeita cria três androides femininos para serem suas companheiras ideais. No entanto, sua criação perfeita se desfaz quando as "filhas" desenvolvem sentimentos humanos complexos, como ciúmes, desejo e vontade própria, levando a uma trama de tensão sexual, possessão e tragédia


Sinopsys: 

On a remote island, a lonely writer obsessed with the idea of the perfect woman creates three female androids to be his ideal companions. However, his perfect creation unravels when the "daughters" develop complex human feelings—such as jealousy, desire, and free will—leading to a plot filled with sexual tension, possession, and tragedy.




Crítica: 


Walter Hugo Khouri é um marco no cinema nacional. Quando falamos de movimentos cinematográficos, falamos de características que moldaram toda uma forma, uma linguagem, um detalhe minúsculo que transforma carreiras – filmes que são eternizados por irem contra a maré, ou seja, uma revolução propriamente dita. E por que tenho essa fala? Porque Khouri fez isso sozinho. Ele fez e ninguém nunca mais o igualou; ele agiu com coragem, coragem essa que nenhum outro diretor teve. Existe um cinema brasileiro antes, durante e depois desse cineasta.

Aulas em universidades citam Khouri como uma referência de cinema de autor, um cinema poético – e ainda assim, não chega perto de ser um cinema literário. Há características tão únicas no cinema de Khouri que, talvez, o mais próximo disso no cinema contemporâneo global seja nosso conterrâneo Júlio Bressane.





Mas, falando do longa, o filme me parece surrealista. Talvez apenas flerte com o tal, não se assuma surrealista, pois, nessa ideia, beirando os anos 80, não casaria a proposta ideológica do que é a sétima arte para Khouri com a proposta de um filme de ficção científica e surrealista – seria chover no molhado. E então, o que exatamente é "As Filhas do Fogo (1978)"?




"As Filhas do Fogo" é um modo de dizer que a sociedade burguesa detém os meios de produção. É um filme que pode ser associado ao ideal comunista de maneira indireta. Mas ele vai além! O filme explora a humanidade em temas sociais, em temas que cercam o universo do ser humano de maneira única, como a sensualidade.

A sensualidade no filme é tratada como passos. O primeiro passo é o convívio. O convívio por si só é uma forma de amadurecer, de crescer, envolto em ciúmes, paixão, erotismo... E no erotismo vemos o que é, de fato, o fruto daquela sensualidade: o prazer, a atração e o tesão. Nisso, Diana, Ana e Mariana são formadas por um crescimento conjunto, uma idealização masculina que saiu fora de controle. É como criar um filho, literalmente: você o enxerga crescer, desabrochar, ter ideias próprias; e quando se dá conta, aquele ser humano já não é mais dependente. Dependência – esse é o maior medo de seu criador.



Conforme acompanhamos, o homoerotismo é uma maneira de conduzir a história para que ela traduza a linguagem de Khouri: a melancolia somada à paixão. Sendo assim, o filme entra em um jogo psicológico de ser visivelmente uma história com pessoas reais e, narrativamente, um experimento à la Frankenstein, onde o criador vê a obra ganhar personalidade.

Enfim, o filme se esconde, se mostra, evolui e retrai. É um jogo denso de narrativa, tornando-o um filme cujo estudo vai além dos seus 90 minutos – que parecem, pelo menos a mim, uma eternidade. Não por ser ruim, mas pelo seu conteúdo, sua hipersensibilidade sensorial e narrativa: um filme tenso, extraordinário e, ainda assim, cansativo.



Review: 


Walter Hugo Khouri is a landmark in Brazilian cinema. When we talk about cinematic movements, we talk about characteristics that shaped an entire form, a language, a minuscule detail that transforms careers—films that are eternalized for going against the tide, in other words, a veritable revolution. And why do I say this? Because Khouri did this alone. He did it, and no one has ever matched him since; he acted with courage, a courage that no other director had. There is a Brazilian cinema before, during, and after this filmmaker.

University classes cite Khouri as a reference for auteur cinema, a poetic cinema—and yet, it doesn't come close to being a literary cinema. There are characteristics so unique in Khouri's cinema that, perhaps, the closest thing to it in contemporary global cinema is our countryman Júlio Bressane.

But, speaking of the feature film, it seems surrealist to me. Perhaps it only flirts with it, doesn't quite claim to be surrealist because, in that idea, nearing the 80s, the ideological proposal of what the seventh art is for Khouri wouldn't align with the proposal of a science fiction and surrealist film—it would be stating the obvious. So, what exactly is "As Filhas do Fogo (Daughters of Fire, 1978)"?

"Daughters of Fire" is a way of saying that bourgeois society controls the means of production. It is a film that can be indirectly associated with the communist ideal. But it goes further! The film explores humanity through social themes, through themes that uniquely surround the human universe, like sensuality.



Sensuality in the film is treated in steps. The first step is coexistence. Coexistence itself is a way to mature, to grow, enveloped in jealousy, passion, eroticism... And in eroticism, we see what is, in fact, the fruit of that sensuality: pleasure, attraction, and desire. In this, Diana, Ana, and Mariana are shaped by a joint growth, a masculine idealization that spiraled out of control. It's like raising a child, literally: you watch them grow, blossom, develop their own ideas; and when you realize it, that human being is no longer dependent. Dependency—that is the creator's greatest fear.

As we follow along, homoeroticism is a way to steer the story so that it translates Khouri's language: melancholy combined with passion. Therefore, the film enters a psychological game of being visibly a story with real people and, narratively, a Frankenstein-like experiment, where the creator sees his creation develop a personality.

In short, the film hides, reveals itself, evolves, and retracts. It is a dense narrative game, making it a film whose study goes beyond its 90 minutes—which seem, at least to me, an eternity. Not because it's bad, but because of its content, its sensory and narrative hypersensitivity: a tense, extraordinary, and yet, exhausting film.


Comments