L'enfer (1994) - Claude Chabrol | That type of person, the fragile men...
PT (English version below):
Sempre que inicio um texto, tento contextualizá-lo primeiramente. Nesse caso, não vou o fazer, ou ao menos evitarei. Seguindo o fluxo do filme, tentarei adaptar a narrativa dele à minha, incisivamente intensificando a crítica.
Bem, primeiro de tudo, Nelly tem toda uma trajetória secundária. Digo isso porque, quando assistimos a um filme, acompanhamos em termos de passividade (quando a visão é da vítima), ativa (quando a visão é em espécie de primeira pessoa – essa geralmente acompanhada em filmes que buscam fazer uma crítica social, caso de L'Enfer) e em terceira pessoa (filmes que buscam mais o contexto do que o desenvolver dos personagens, como Os Vingadores, *2012*). Mas por que Nelly é a secundária? Pois ela é a vítima, porém raramente Chabrol demonstra o lado dela de maneira isolada. O que sabemos dela é o suficiente para compreendermos o caminhar da história; no entanto, é sempre Nelly em relação a Paul.
A garota começa como o ideal masculino conservador: uma mulher atraente, bondosa e outras características que se sobressaem ao que faz dela um ser humano. Ou seja, há a exclusão de sua pessoa. Sendo assim, Paul nunca a viu como companheira, um amor; Paul sempre a viu como um troféu. E portanto, quando seu papel de homem foi subitamente ameaçado, ele entrou em estado de alerta, uma forma de dizer que aquela era sua mulher – não no sentido romântico, mas sim no sentido de posse. Ou seja, um homem que se orgulha de características semelhantes às de um cão. A diferença disso tudo é que o cão ainda possui a capacidade de amar.
Do outro lado, o que é Paul? Paul é mais do que um surto, é mais do que um ciúme, é mais do que o inferno propriamente dito. Ele se desfaz e faz ao menos quinze vezes durante o filme: morde e assopra. E conforme tudo ao seu redor se torna caos, ele se vê forçado a transformar todo aquele caos em paixão. E nisso mora o problema: como dito, Paul não nutre paixão; Paul nutre frustração. Ele é um caso de ser traumatizado, e sim, isso também é um problema social tanto quanto a violência que ele atribui a quem sempre fora uma figura de apoio para ele – mas não justifica.
E tornando esse texto abstrato, Paul não representa apenas uma única figura, mas sim homens como um todo – mas especificando, o homem burguês. Digo especificamente o caso do burguês porque, em tese, a única companhia digna de honra para o homem burguês é aquela que alimenta seu ego, que alimenta seu status. Sendo assim, o homem por si só já é uma ameaça em potencial para uma mulher; um homem burguês é ainda mais, pois ele gosta do status. E indo um pouco mais além, o status é uma forma de segurança para Paul, que em todo o filme até mesmo praticou abuso, e nem mesmo uma pessoa tentou o impedir – muito pelo contrário, Paul seguiu livremente. E por isso Chabrol sempre esteve à frente de seu tempo.
Trazendo mais para a filmografia de Claude Chabrol, minha experiência com o diretor foi muito cedo, bem antes de eu pensar em fazer críticas, filmes e roteiros... Aos 15 anos, decidi assistir La Cérémonie e me apaixonei. O ódio nutre, nutre tanto quanto o amor. E Claude Chabrol ama odiar, ama fazer filmes que promovem o debate além do tema, que mexem nas estruturas da sociedade. Ele transforma todo o desenvolvimento de um filme em uma lição social, como em Violette (1978) ou Story of Women (1988), filmes que demonstram a importância de Chabrol para a sociedade francesa. Uma figura dessas necessita ter janelas nos cinemas, independente do tempo – coisa que não acontece.
Por fim, a conclusão é genial: Chabrol olha para todo aquele desenvolvimento e literalmente diz "não tem fim". Isso é genial do ponto de vista criativo: quando o cinema monta um universo, há uma pré-noção de que o fim é o somatório do início + meio, que em tese resulta no fim. Por outro lado, é isso que ele faz – ele só evita mostrar. E apesar de, aparentemente, ser um fim desconfortável no sentido de acompanhar a história, de querer ter o anseio de ver o bem vencendo o mal, isso não ocorre. Não ocorre porque não estamos vendo uma historinha bonitinha de "o amor vence o ódio", mas sim um retrato de milhares de mulheres ao redor do mundo.
Chabrol não demonstrou o final porque não há um lado bom ou lado ruim: todos, absolutamente todos, saíram perdendo. E esse respeito de não glorificar, não espetacularizar a dor dá uma certa moral para o filme. Quero dizer que, através de temas importantes, Chabrol conta a realidade, e através de personagens realistas, ele constrói uma história. Assim, ambos se complementam e transpõem uma espécie de denúncia.
Esse filme acabou se tornando um dos mais intensos do Chabrol, um dos mais infernais de assistir e, ainda assim, um dos melhores!
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