April Story (1998) - Shunji Iwai | The world isn't so evil as I thought...

There's english review below!

PORTUGUÊS:

Quando termino um filme, me preocupo demais em como transformar aquelas cenas, aqueles personagens, aquela conjunção de técnicas em frases que transmitam as sensações e as emoções. Junto a isso, me vejo frente a frente com uma maturação de analisar filmes que me afastam da própria experiência, isso bem antes da Cine&Castigo, muito antes...

E quando um filme me faz experienciar a obra é algo tão raro que, em todos esses anos de cinefilia, conto nos dedos quais foram esses filmes. No entanto, April Story (1998) em pouco mais de 1 hora me levou a um nível de imersão que quase nunca senti: como diz o título, o mundo não é tão mal quanto pensei.

Nireno é uma representação mais do que precisa do que é ser jovem, reviver lembranças, possuir objetivos tão líquidos como na teoria de Bauman; ela cresce, assim como regressa, ela age, assim como estagna. É um amontoado de incongruências nas decisões, nos fatos da realidade e, enfim, em tudo.

Representar a realidade é algo muito difícil. Entender que uma narrativa linear não é representar o real é, em tese, fazer com que a sua obra seja uma obra que permite ser defeituosa aos olhos do público. E não é sobre dizer "é bom/ruim", mas sim entender que as contradições são parte de algo ainda maior, a humanidade.

A humanidade em April Story é tão palpável que até mesmo seus personagens menos desenvolvidos são bondosos, é como se entrássemos na cabeça de Shunji Iwai, explorássemos... adentrássemos... e quando percebemos, estamos frente a frente com tudo o que foi bom para este autor. Viver pode ter seus desafios, mas no momento em que o diretor decidiu fazer este filme, ele humanizou cada detalhe de seu cotidiano, cada minucioso detalhe como um ato tímido, um sorriso de canto, até mesmo reencontros. A vida em Tóquio poderia ser a mesma de Londres, Paris, São Paulo...

E entramos assim em um tópico gostoso de se debater: a fluidez da realidade. A realidade em si não é algo linear, o tempo é linear, apesar daqueles 365 dias do ano; o tempo não volta, ele simula. Essa simulação faz com que cada dia seja especial, cada letra escrita, cada nuvem que vemos de relance, cada ar que compartilhamos, isso não volta. É como comer uma comida muito boa pela primeira vez, você fantasia com uma segunda vez, e quando a concretiza já não é mais a mesma coisa.

E onde entra a fluidez da realidade? Nireno nunca mais teve a impressão de estar tímida em frente à sala, não da mesma forma, nunca viu seu amor de adolescência ser uma recusa, a não ser que ela aja dali para frente. Como um efeito borboleta, tudo, tudo muda. Tudo recua, tudo avança. Tudo transforma em vida o que até mesmo é composto pelo vazio. O vazio não é mais vazio a partir do momento em que se torna perceptível.

E, enfim, a vida é o amor. E apesar de o filme mostrar sutilmente, a recusa também é o amor; tudo o que nos cerca, o que nos faz levantar da cama, seja para passar o dia em casa, ou um dia cheio de ocupações, tudo tem um propósito, e esse propósito é formado por felicidade, esta composta por carinho, ternura e prazer: o famigerado amor.

English: 

When I finish a movie, I worry too much about how to turn those scenes, those characters, that conjunction of techniques into sentences that convey the sensations and emotions. Along with this, I find myself face to face with a maturation of analyzing films that distances me from the very experience, this long before Cine&Castigo, long before...

And when a film makes me experience the work, it's something so rare that in all these years of cinephilia, I can count on my fingers which films those were. However, April Story (1998) in just over 1 hour took me to a level of immersion that I have almost never felt: as the title says, the world is not as bad as I thought.

Nireno is a more than precise representation of what it is to be young, to relive memories, to possess goals as liquid as in Bauman's theory; she grows, just as she regresses, she acts, just as she stagnates. It is a jumble of incongruities in decisions, in the facts of reality, and, finally, in everything.

Representing reality is very difficult. Understanding that a linear narrative is not representing the real is, in theory, making your work one that allows itself to be flawed in the eyes of the public. And it's not about saying "it's good/bad," but rather understanding that contradictions are part of something even greater, humanity.

The humanity in April Story is so palpable that even its less developed characters are kind; it's as if we entered Shunji Iwai's head, we explored... we ventured in... and when we realize it, we are face to face with everything that was good for this author. Living may have its challenges, but at the moment the director decided to make this film, he humanized every detail of his daily life, every minute detail like a timid act, a corner smile, even reunions. Life in Tokyo could be the same as in London, Paris, São Paulo...

And so we enter a topic that is pleasant to debate: the fluidity of reality. Reality itself is not linear, time is linear, despite those 365 days a year; time does not return, it simulates. This simulation makes each day special, every written letter, every cloud we glimpse, every breath we share, this does not come back. It's like eating a very good food for the first time, you fantasize about a second time, and when you make it happen, it's not the same thing anymore.

And where does the fluidity of reality come in? Nireno never again had the impression of being timid in front of the classroom, not in the same way, she never saw her adolescent love be a refusal, unless she acts from then on. Like a butterfly effect, everything, everything changes. Everything recedes, everything advances. Everything transforms into life what is even composed of void. The void is no longer void from the moment it becomes perceptible.

And, finally, life is love. And although the film shows it subtly, refusal is also love; everything that surrounds us, what makes us get out of bed, whether to spend the day at home, or a day full of tasks, everything has a purpose, and this purpose is formed by happiness, which is composed of affection, tenderness, and pleasure: the notorious love.