#SPOOKYSEASON
Abordar temas de terror é sempre uma forma prazerosa, sutil e melancólica de transformar a dor em algo palpável, tendo assim as vertentes do horror visual, sensorial e narrativo. E apesar disso, construir um filme assim é, provavelmente, a experiência mais divertida do mundo, pois, no final, é ficção. E os meios de se produzir um filme melancólico e sádico nos obriga a considerar a leveza de ser um "torturador", e possuir uma falsa vÃtima. É como uma brincadeira onde a ética é, e deve, ser quebrada. E nisso entramos em filmes como Hausu, Scream, Premonition e até mesmo os clássicos, como Suspiria. Fazer o horror é brincar livremente, é se deixar ser violento, sádico e, esteticamente, construir uma vida. E porque inicio o texto assim? Porque Dreyer se fez personificar o herói em Allan. Allan é um personagem que estuda a estética do local, a forma com que os olhares se cruzam e até mesmo como o tempo em relação aos seus atos são vistos em primeira e terceira pessoa. Por isso, Vampyr é divertido, funcional e profundo.
Vampiros em tese são muito mais estéticos do que macabros, tirando em mÃdias como Castlevania, os vampiros sempre são elegantes, retratam o ar de superioridade em comparação a lobisomens, zumbis, e principalmente, assassinos. Sendo um filme de 1930, Vampyr se mantém em uma posição de questionamento frontal à estética cristã, de fato, em uma época mais do que conservadora, uma época onde a sociedade se mantinha em pé para, e, por conta, da religião. Por isso, escolher envolver o cristianismo como religião, ainda que sem citar ou excomungar, ou até vilanizá-la, é uma escolha que seria mais do que ousada. E entramos em outra questão: porque Vampyr é um filme de caráter questionador se não questiona diretamente?
A resposta está na pergunta. Ser ou não uma afronta é uma questão de perspectiva, e no filme de Dreyer, temos uma relação de amor e ódio com a fé. A fé é a salvação, por outro lado, o que seria dos personagens se não houvesse a questão da punição do inferno? E temos então uma questão de contradição em religiões como um todo, onde amar e odiar são extremos em uma perspectiva muito tênue, onde o céu e o inferno são co-dependentes, como se, caso um desses não existisse, o outro não teria fundamento, ou sequer uma função. E voltando ao filme, os personagens só creem em algo, pois o extremo da fé, criou enfim, a maldição dos vampiros.
Portanto, ao analisarmos obras tão magnÃficas quanto essa, devemos sim deixar de lado a questão de certo e errado em relação à religião. Certas obras nos obrigam a sentir acima de entender, de absorver, acima de reproduzir. E isso, em minha posição, é uma falha de caráter propriamente dita. Por isso, Vampyr é um filme para tentar entender o contexto (não só da transição do cinema mudo para o cinema falado), mas também para compreender além do que aquilo que você e eu acreditamos: Vampyr é o cinema da descrença, o cinema da violência, e por cima disso tudo, da crueldade da sociedade, da religião e do individualismo como um todo, sendo uma obra de horror contemporânea em tempos passados.
Para finalizar, a obra que vive pelo tempo, que envelhece sem perder sua essência é algo além do texto que é lido como crÃtica, então, fica aqui minha recomendação: assista Vampyr, mas veja com seus olhos, as suas vivências, suas crenças e morais. Dê uma chance ao cinema visceralmente polÃtico, visceralmente social, ainda que em sua grande parte interpretativa seja, em tese, a junção da sua, minha e das outras milhões de vivências, ou seja: a arte como parte da sociedade!
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